O médico anestesista que começou ontem a ser julgado pelo crime de recusa de médico a uma doente que teve problemas após uma intervenção cirúrgica e acabou por morrer, disse ao tribunal de Mirandela que foi induzido em erro pela informação clínica da vítima e considera ainda que a actuação de um colega de clínica-geral na fase da paragem respiratória foi errada.
O caso remonta ao dia 7 de Dezembro de 2006. Maria Pereira foi sujeita a uma intervenção cirúrgica no Hospital de Mirandela. A operação à tiróide terminou pouco depois das 13 horas e foi levada para o recobro cirúrgico, onde, duas horas depois, começou a dar sinais de complicações.
Segundo a acusação do Ministério Público (MP), às 15.25 horas, a enfermeira de serviço naquela unidade ligou de imediato para José Alberto de Carvalho, hoje com 68 anos e então chefe do serviço de anestesiologia, responsável clínico àquela hora. A enfermeira diz ter referido que "a paciente apresentava um edema cervical". Aqui aparece a primeira contradição.
O anestesista negou ao tribunal que a enfermeira lhe tenha dado essa informação, mas antes que a paciente "apresentava um desconforto ao nível da garganta", situação considerada pelo arguido como "normal", atendendo ao facto da paciente "ter estado em entubação traquial durante mais de uma hora", afirmou José Carvalho que, perante este quadro clínico deu indicações para administrar um medicamento à paciente.
O anestesista tinha saído do hospital para almoçar em casa, situada a cerca de 400 metros da unidade, alegando em tribunal "ter sido assolado pela fome e fraqueza depois de sete horas de trabalho", acrescentando que "era prática comum este procedimento porque havia um entendimento entre as equipas que estavam de serviço à urgência". Cerca de 20 minutos depois, do primeiro telefonema, a enfermeira voltou a ligar-lhe dizendo que o quadro clínico da paciente se tinha agravado e solicitou a sua presença. Também aqui, o arguido contradiz a enfermeira, ao revelar ter recebido um telefonema a informar que "estava tudo normal e que já tinha sido observada por uma cirurgiã", conta.
Dez minutos depois, ainda sem a presença do médico, Maria Pereira teve uma paragem cardio-respiratória. Segundo a acusação, o anestesiologista "só compareceu na sala de recobro 35 minutos depois da comunicação da paragem respiratória quando já estavam a ser efetuadas manobras de reanimação". Também aqui, o arguido apresentou uma versão diferente.
José Carvalho diz ter chegado ao recobro dois minutos após a última chamada e que esteve a realizar manobras de reanimação durante quarenta minutos.Quando regressou ao hospital, alegou que o colega de clínica geral, que também estava de serviço, já tinha aberto o buraco na traqueia (traqueostomia) e que considerou que essa a atuação foi "errada".
O anestesista considera que o seu colega "devia ter aberto a ferida operatória e dessa forma facilitaria o processo de reanimação", contou ao tribunal, afirmando que "nunca faria" esse procedimento. "Era de ventilar de imediato a doente", disse.A paciente veio a falecer às 16.40 horas por convulsão provocada por um hematoma cervical.
Segundo o MP, esta ausência de José Alberto de Carvalho, anestesiologista e perito em gestão avançada em via aérea, esteve diretamente ligada à morte da paciente. O profissional de saúde incorre numa pena que pode ir até aos sete anos de prisão.A família pede uma indemnização de 200 mil euros para ressarcimento dos danos e da angústia que viveu e tem sofrido, no sentido de serem devidamente reparados.
A defesa do arguido não quis prestar declarações aos jornalistas, remetendo explicações para depois do julgamento. Lembrou apenas que a Inspecção Geral das Actividades em Saúde arquivou o processo que abriu ao caso, por não ter encontrado nexo de causalidade.
Está marcada uma nova sessão do julgamento para 11 de Fevereiro.
Escrito por Terra Quente (CIR)
[Fonte: Rádio Terra Quente]
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